quinta-feira, 2 de abril de 2009

Lerê, Lerê

Bernardo Guimarães

Hoje eu vou contar uma história sobre uma história, e vou contar esta história de uma maneira diferente.

Barnerdo Guimarães nasceu em Ouro Preto, Minas Gerais, em 1825 mas com quatro anos se mudou para Uberaba. Também moraria no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde se formou bacharel em direito.

Passa a exercer a profissão sendo nomeado para assumir o cargo de juiz municipal em Catalão. Isto ocorreu por duas vezes. A primeira foi em 1852 quando exerceu o cargo por dois anos. Porém foi na segunda passagem, na qual assumiu o cargo interinamente, que ocorreu uma das passagens mais interessantes de sua biografia. Impressionado com as más condições em que os presos eram mantidos Bernardo resolve julgar 11 réus, que ao final são absolvidos e soltos. O presidente de Goiás chegou a processar Bernardo por isso mas o processo não vingou por conta de mudanças no Governo. Resultado: o juiz titular foi transferido e Bernardo ficou no cargo até 1863.

Se isso serviu de inspiração não sei mas no ano de 1875 o movimento abolicionista já possuía contornos fortes, tanto que já começavam a conquistar avanços (a Lei do Ventre Livre já vigorava há quatro anos). Some-se a isso o fato de o Brasil ter contado na Guerra do Paraguai com milhares de combatentes negros, muitos inclusive voltando condecorados, que mesmo assim ao fim da guerra temiam voltar a condição de escravos.

A escravidão já começava a apresentar sinais de desgaste contundentes, e foi dentro deste contexto que Bernardo Guimarães escreveu sua mais célebre obra: A Escrava Isaura, cuja primeira edição foi publicada pela Casa Garnier no Rio de Janeiro.

O livro em si não tem cunho abolicionista pois nem chega a entrar em detalhes sobre o regime escravocrata. Porém o livro foi um sucesso editorial à época por conta da inovação - a escrava em questão é branca e possui esta condição por ser de mãe negra, além disso sofre nas mãos de um senhor inescrupuloso, coisa típica de folhetim - o que atingiu as mentes do público que consumia livros deste tipo como as mulheres da sociedade que gostavam de histórias como a de Isaura.

Sim, o livro nasceu como um sucesso, tanto que o próprio imperador D. Pedro II em viagem a Ouro Preto fez questão de conhecer Bernardo Guimarães e solicitar sua obra completa autografada pelo autor. Tal acontecimento parou a cidade, pois na época não era comum tal visita ocorrer. Também, naquela época as distâncias a percorrer eram muitas e pareciam longínquas comparado aos tempos atuais, parecia-se até que se estava indo para a China.

Bernardo pode viver o suficiente para usufruir da fama, mesmo avesso a pompa. Porém obviamente não poderia viver para ver até onde sua obra iria alcançar.

Exatamente um século depois o mundo era muito diferente do de 1875. Carros, aviões, telecomunicações, imprensa de massa e... televisão. Pelas mãos de Gilberto Braga a obra ganharia uma versão televisiva no horário das 18h da TV Globo, com Lucélia Santos no papel de Isaura. Detalhe: era o primeiro papel da atriz na televisão.



Pelo menos no Brasil não é possível medir se a novela teve proporcionalmente menos ou mais sucesso do que o livro de Bernardo Guimarães em sua época, mas teve (muito) sucesso e isso é o que vale.

Porém a mesma virou um marco da televisão brasileira não só por isso, foi principalmente porque as agruras pelas quais Isaura passou rodaram o mundo, fazendo com que a novela fosse vista em quase 80 países (e com sucesso em quase todos). Isaura chegou a parar guerras (na Bósnia e na Croácia), mudar políticas (em Cuba) e até mesmo inserir palavras (na Rússia). No Brasil foi campeã de reprises - 5 vezes - sendo uma apenas para o Distrito Federal por conta das eleições de 1985.

O maior feito de Escrava Isaura porém ocorreu bem longe, mais longe do que o Rio e Ouro Preto eram em 1881. A novela foi exibida na China em 1984 pelo canal estatal CCTV e teve o mesmo sucesso que teve em outros lugares. Mas agora estamos falando do país mais populoso do mundo e a exibição do último capítulo da novela foi assistida por mais de 400 milhões de pessoas (isso mesmo, você leu certo, 400.000.000 de pessoas!) entrando no Livro dos Recordes como a maior audiência de um programa de TV na História*. Se fôssemos utilizar a metodologia do Ibope para a medição de audiência daTV brasileira (1 ponto = 176.000 pessoas) teríamos incríveis 2272 pontos no Ibope.

Hoje Lucélia Santos possui status de celebridade em vários países por conta da novela, fato que não se dissipou mesmo a novela tendo sido exibida pela primeira vez há mais de 30 anos atrás. Além disso Isaura voltou a ser amarrada no pelourinho em uma nova versão exibida pela TV Record, com Bianca Rinaldi interpretando a protagonista. Esta versão também obteve sucesso e foi uma das responsáveis pela consolidação do núcleo de dramaturgia da emissora.

Ao levar o livro para o prelo no longínquo ano de 1875, Bernardo Guimarães jamais poderia imaginar o alcance que sua obra teria, ainda mais em escala planetária. E para a história além do livro ficou a novela e sua indefectível música de abertura.

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*Claro que existem eventos mundiais que tem mais audiência como a entrega do Oscar e a final da Copa do Mundo, mas são transmitidos por diversas emissoras, enquanto A Escrava Isaura foi transmitida apenas pela CCTV.

Fontes: Wikipédia, Site Teledramaturgia e Vida e Obra de Bernardo Guimarães (mantido por descendentes do escritor).

Lucélia Santos (Isaura) em mandarim.

Um comentário:

  1. São histórias interessantes que vale apena recordar mesmo.
    Legal mesmo.
    1000 beijos

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